segunda-feira, 14 de abril de 2014

Evangelho - Eclipse, Não

Pai, se queres, passa de mim este cálice.

Os Instrutores Espirituais asseguram que a personalidade de Jesus ainda é inabordável ao entendimento humano.
 Não temos capacidade, nem de cultura, nem de sentimento, para compreender o Mestre.
Não lhe podemos conhecer os divinos pensamentos.
 Não lhe podemos analisar as atitudes.
 Falecem-nos recursos para interpretar-Lhe, de maneira integral, todas as palavras e ensinamentos. Por isso — asseveram —, é o Cristo ainda inabordável à compreensão do homem.
O Cristo não é conteúdo para a taça da compreensão humana.
Efetivamente, é muito difícil entender certas atitudes do Senhor, qual ocorre com a que teve por cenário o Getsemani - Essa dificuldade de compreensão dos sentimentos de Nosso Senhor; de aprofundar-Se-lhe a Alma sensível, a individualidade universal, acentua-se, principalmente, quando se Lhe pretende examinar as palavras proferidas no Horto, em horas que precederam o Calvário:
— “Pai, se queres, passa de mim este cálice.”
Há quem interprete a atitude do Senhor como de receio ante o martírio que se avizinhava.
 E os que assim pensam, dizem: “Houve um eclipse na Grande Alma do Cristo, eclipse que logo se dissipou. Foi uma nuvem rápida que ocultou, por instantes, o refulgente Sol, O Cristo Eterno reagiu, prontamente, contra o gesto humano do Filho de Maria.”
 Nosso pensamento, a respeito do comovente e sublime episódio, é um tanto diverso. A nosso ver — e tendo o cuidado de realçar a inabordabilidade do Cristo — o cálice que o Mestre preferia não sorver não era o do madeiro. Nem o da coroa de espinhos. Nem dos cravos, nem da lança que lhe fizeram jorrar o sangue generoso. Nem o da morte entre dois ladrões comuns.
 O cálice que o Cristo preferia não lhe fosse dado a beber, foi o da compaixão.
Condoera-se Jesus, por antecipação, antevendo o esfacelamento de toda uma semeadura de espiritualidade e redenção em favor dos homens. Era todo um apostolado de luz e esclarecimento que se diluía sob o apaixonado impulso da Humanidade — cuja salvação fora o objetivo fundamental de Sua vinda ao mundo. A Humanidade caminhava na direção do abismo —e o Cristo o pressentia e lastimava, preferindo não acontecesse.
“Pai, se queres, passa de mim este cálice.” Falou o Mestre como falaria um coração maternal que observa, no rumo do precipício, os passos do filho extremecido. Coração exuberante de amor, transbordante de ternura, ébrio de carinho.
 A Humanidade era bem o filho negligente, teimoso, que ouvira as lições,  mas não lhes assimilara o conteúdo.
Eclipse do Mestre — nunca.
 O Cristo foi, é e continuará sendo um sol sem eclipses. Um astro que ilumina eternamente, sem alternativas, nem oscilações. Uma estrela de primeira grandeza, cujos reflexos atravessam todos os corpos, por mais gigantescos e sólidos. Um Sol que transpõe e vence infinitas distâncias. Assim pensando e sentindo, afirmamos: Eclipse, não...

Jesus pressentira que os homens arquitetavam, no silêncio, o crime inominável, pelo qual haveriam de responder, inelutavelmente, por séculos e milênios. “A cada um será dado segundo as suas obras” consecutivas vezes ensinara. Percebia, em Sua divina intuição, que os filhos de Sua Alma — Alma Maternal — engendravam o mais hediondo assassínio de toda a História universal, através de sua imolação — dEle que tinha vindo ao mundo justamente para redimi-los, para salvá-los.
 “Pai, se queres, passa de mim este cálice.”
 Os cegos e os mudos, os paralíticos e os surdos, os leprosos e os infelizes haviam recebido do seu coração inesgotáveis benefícios. Na alma de todos — pobres e ricos, grandes e pequenos — plantara as sementes da fraternidade e do perdão. E ansiava por que elas germinassem.
 Viera ao mundo — dizia — para lançar fogo sobre a Terra.  “E bem quisera que já estivesse a arder.” Não exigia o Mestre o reconhecimento, a gratidão dos homens; contudo, esperava que os seus corações guardassem, retivessem o perfume da renovação, a essência do Amor que lhes trouxera dos santuários espirituais. E os homens, filhos de Sua Alma, maquinavam, no silêncio, a sua morte...
 Em alguma parte forjavam, na sombra, a própria condenação. Auto-sentenciavam-se.
 Jesus, num átimo, no Getsemani. olhou o futuro da Humanidade. Devassou-lhe os milênios de provação e resgate, e condoeu-se dos homens. Sua Alma encheu-se de compaixão. Piedade pelos homens, que voltariam, em novos corpos, várias vezes, para o resgate inevitável.
 Não por Seu corpo, nem por Seu Espírito, indestrutível, eterno: pela alma coletiva da Humanidade, que, naquele instante, se preparava para consumar, com o Sangue do Justo, o seu grande, histórico pecado: o extermínio do Cordeiro de Deus!
O cálice do Cristo não foi o do temor — foi o da compaixão.
O cálice do Cristo não foi o do medo — foi o da piedade.
O cálice do Cristo não foi o do receio ante a cruz de madeira — foi o da Tristeza ante a Cruz de sofrimento que os homens poriam nos ombros, horas depois, carregando-a, daí por diante, por muitos séculos e milênios.
 Eclipse — nunca.
 Cristo é um Sol inofuscável, que transcende quaisquer sombras, que não conhece eclipses...
 O Seu coração, compassivo e misericordioso, que ama, sofre e chora o Filho Pródigo, inundar-se-ia, sem dúvida, de felicidade, transbordaria de júbilo, se aquele assassínio não se consumasse.
“Pai, se queres, passa de mim este cálice.”
 Mas, ante a pertinácia dos algozes, respeitando-lhes o livre arbítrio, volta-se para Deus, sereno e majestoso: “Pai, se não é possível, faça-se a tua vontade.”
O Pai quisera, mesmo, que o Suave Embaixador bebesse, até à última gota, na taça da incompreensão humana, o licor da piedade e do amor. Da misericórdia e da compaixão. Nunca, o cálice do temor, que seria um eclipse nublando um Sol radioso, eterno, inublável.
Eclipse — não...

 Martins Peralva                                   Estudando o Evangelho

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